Tea with a little bit of magic
Caro Leitor,
Imagine. Um livro sobre magia. Um livro sobre Inglaterra num universo paralelo. Num universo paralelo, onde outrora a prática da magia reinava no reino de Inglaterra, dois mágicos surgem para revolucionar o mundo...
E agora releia a passagem anterior como se fosse Don LaFontaine... Ou talvez não.
Quando li Jonathan Strange and Mr. Norrell em 2006, na língua original, presente londrino de uma amiga, fascinou-me a história criativa e fresca, a linguagem com cheiro a séc. XIX ( com cheirinho a Jane Austen), a escrita "witty" da escritora, e, é claro, a menção a Portugal. O livro - que fez parte da lista dos bestsellers do New York Times - é verdadeiramente fantástico em toda a acepção da palavra.
Quase dez anos depois, deparo-me com a adaptação da BBC do livro de Susanna Clarke.
A adaptação é brilhante, outra coisa não se esperaria da BBC. É brilhante a visão criativa que nos transporta para o universo criado por Clarke, mas também nos remete constantemente para o livro, para as falas brilhantemente imaginadas pela escritora. É brilhante a atuação/transformação de todo o elenco. É difícil eleger o melhor ator/atriz e não há aqui lugares para erros de casting.
Realço as brilhantes interpretação dos atores Bertie Carvel e Eddie Marsan que magicamente deram corpo aos mágicos Jonathan Strange e Mr. Norell, respetivamente, (Bertie já tinha aliás dado cartas quando interpretou brilhantemente o papel de uma mulher em Matilda) bem como o fantástico trabalho de Marc Warren ("the gentleman"), Enzo Cilenti (Childermass) e o brilhante Paul Kaye (Vinculus) - tão brilhante que julgamos que Paul Kaye é Vinculus, ou vice-versa. Fica uma menção honrosa para todos os outros atores, em especial para Vicent Franklin (Drawlight).
A adaptação é tão brilhante que não consigo dizer o que é melhor: se o livro ou a série. O livro costuma sempre ser melhor, especialmente quando a nossa primeira incursão na trama é feita através dele.
O livro, como obra escrita sem preocupação com a sua extensão, é extenso sem o ser. Tudo o que é narrado tem um propósito e mesmo as notas, ainda que abundantes, (e a abundância das footnotes é um "understatement") são fulcrais para reconstituir o passado da magia inglesa.
É brilhante a ideia de dois mágicos que se unem com um objetivo, para mais tarde se separarem por defenderem ideias distintas, e, para muito mais tarde, se voltarem a unir com o mesmo objetivo. É brilhantemente criativa a ideia de que um mágico inglês use o que tem mais à mão para fazer magia, e não há nada que os ingleses tenham mais à mão que chuva.
"THERE IS NOTHING WRONG WITH GOOD ENGLISH RAIN!” - diz já no quase final Mr. Norrell.
É brilhante o cómico de situação, de linguagem e de carácter.
É brilhante como a escritora "atesta a veracidade destes eventos" situando-os a par de um dos eventos históricos mais emblemáticos: as invasões francesas.
Aqui fica a recomendação de uma leitura já que visionar a série será talvez mais difícil .