C'est quoi l'amour?
Caro Leitor,
ontem a RTP2 mostrou, mais uma vez, o filme "Amour". Quando o vi pela primeira vez, também na RTP2, fiquei com uma excelente impressão, ao ponto de sentir vontade de escrevinhar algo sobre o que tinha acabado de ver - andava numa fase inspiradíssima, com manias de crítica de cinema.
Aqui fica essa "carta", datada de outubro de 2014, na esperança que ainda tenha oportunidade de (re)ver o belíssimo filme e, quem sabe, que a minha carta lhe permita ler nas entrelinhas do filme uma nova mensagem.
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“Sur le pont d'Avignon
On y danse, on y danse
Sur le pont d'Avignon
On y danse tout en rond.”
Ontem, “par chance”, vi na RTP2 o filme “Amour”, há muito na minha lista de recomendações.
A câmara fixa e parada permite ao ator – o veículo – fazer transparecer a poesia do diálogo. Poesia simples, quotidiana, crua, sobre a verdade das coisas. Permite ao espetador – recetáculo – questionar e refletir. Permite-lhe ter tempo para sorrir, para chorar, para se espantar, para se horrorizar, para antever e antecipar, para identificar metáforas e simbolismos. Mas também para demorar o seu olhar na cena e, em jeito de aprendizagem, torná-lo mais crítico. Tudo isto pode o espetador fazer neste filme.
A história retratada no filme torna-se cada vez mais atual e presente nas nossas vidas e faz-nos repensar a vida e a morte, a sociedade e aquilo que se depreende como sociavelmente correto, o amor e o egoísmo, o eterno e o efémero.
Li uma crítica amadora na estratosfera cibernética que afirmava que o filme era sobre a “incapacidade de lidar com a dependência, a sujeira, a idiotice e tudo que de maneira quase invariável precede a morte”, sobre um “marido que só é capaz de amar uma esposa bem penteada e apta a ir ao concerto sobre suas próprias duas pernas, a lavar a louça e compartilhar uma taça de vinho.”
Sacré bleu!
Todos temos direito a opiniões, e há, com certeza, gostos diferentes, mas ainda que não se goste de cinema que não venha acompanhado de pipocas, e que dê ênfase ao texto e às personagens, e ainda que não se tenha gostado do filme em questão, como é possível ver o filme assim? Como se se tratasse apenas da história de um homem que se vê a par com uma mulher paralisada e demente e que decide por termo à vida da mulher. Quando na verdade é a história de um casal que ao fim de muitos anos de felicidade conjunta se vê confrontado com uma mudança inesperada. Uma mudança que ambos não desejam, mas mesmo assim uma mudança que, em jeito de avalancha, arrasa as suas vidas e os modifica nos seus hábitos. Uma mudança que não acaba com o sentimento, mas que destrói uma parte deles, aquela construída em função do outro.
Eu sou muito mais adepta do cinema norte-americano, do bom cinema norte-americano, e mesmo assim soube amar “Amour”. Há filmes que não amamos de antemão, ou à primeira vista. Passam por um processo durante os 90 minutos de visualização. Aprendemos a gostar deles. Este será um deles para muitos dos céticos em relação ao cinema que não venha das terras do tio Sam. Mas não é, afinal, o amor também uma aprendizagem?
Aprendamos a gostar de cinema, vendo mais. Quantidade, Diversidade, Qualidade.
“Sur le pont d'Avignon
On y danse, on y danse
Sur le pont d'Avignon
On y danse tout en rond.”
C’est ça l’amour.