Circuito Edward Norton - Primal Fear
Caro Leitor,
Pensava que pouco restaria deste filme na minha memória. Afinal, trata-se de um filme de 1996. Julgava eu que apenas me lembraria de uma ou outra cena e do fim surpreendente. Surpreendentemente, até falas de algumas personagens me lembrava.
O filme, que nos mostra Richard Gere ainda com o cabelo ligeiramente grisalho, não começa muito bem. Mas se não acabasse bem, descanse caro leitor, não o incluiria aqui. Os diálogos, é verdade, deixam muito a desejar, agora à luz de 20 anos de distância, principalmente os iniciais que parecem forçados e os atores nada fazem para os melhorar. Mas a trama compensa e a atuação de Norton também.
Richard Gere é Martin Vail, um advogado de renome, famoso por escolher casos difíceis e defender criminosos, famoso por vencer. (Engraçado que o filme de estreia de Norton tenha como personagem alguém com o nome Vail, palavra homófona de Veil, palavra tão importante no primeiro filme deste circuito -The Painted Veil).
Martim Vail decide defender Aaron Stampler (Edward Norton), um jovem acusado de ter assassinado um arcebispo. Aaron fora encontrado fugindo da cena do crime, ensanguentado, e com o anel da vitima. Culpado, diria o caro leitor.
No entanto o jovem Aaron é a última pessoa que se pensaria capaz de cometer tão hediondo crime. Jovem tímido, reservado, calmo e bem educado, tinha no arcebispo um segundo pai - tirara-o das ruas e dera-lhe abrigo. Para além disso canta num coro, é um "altar-boy", e a caracterização de Norton não poderia estar mais fidedigna da ideia de um menino de coro.
Aaron não desmente ter estado no quarto da vítima e de a sua situação parecer muito suspeita. No entanto, confessa que por vezes sofre uns lapsos de memória, perde tempo como ele próprio diz (lembrava-me perfeitamente desta expressão). Inocente, dirá o leitor.
O filme debruça-se então sobre o julgamento do menino de coro e na procura de provas que, se não provam a inocência do inocente Aaron, pelo menos fazem duvidar da sua culpabilidade. E é isso o suficiente. O véu que esconde a verdade é aos poucos levantado para cair novamente. No final, o véu cairá por completo bem como os nossos queixos...
A atuação de Gere não é a sua melhor. A de Norton, por outro lado, mostra que o jovem de 26/27 anos na altura, talvez não tão jovem assim, iria dar que falar. O seu belíssimo retrato de um menino de coro valeu-lhe algumas nomeações para prémios de melhor ator secundário e um globo de ouro. A interpretação de Norton é a jóia do filme e por isso a inclusão deste filme neste circuito. E é a sua personagem que nos fica na mente quando o filme acaba. Muito devido à brilhante cena final.
Surgem ainda grandes nomes como Frances McDormand, que interpreta a psiquiatra que tenta perceber Aaron, e Laura Linney, que interpreta uma talentosa e inteligente advogada de acusação, com quem a personagem de Gere mantém uma história pseudo-romantica, uma relação que pisca o olho à relação Bacall-Bogart no grande ecrã.
Em Portugal, este filme foi na época alvo de destaque no telejornal. Muito se falou e se escreveu sobre o fato da canção da Dulce Pontes, Canção do Mar, fazer parte da banda sonora deste filme. Não, não era apenas um breve trecho que se ouvia no filme, nem uma daquelas canções que só aparece no final do filme, quando os créditos passam e já o cinema se esvazia. A canção tem destaque no filme mas a sua inclusão parece muito forçada, como se fosse um "afterthought". A música ganha destaque nos diálogos e em mais do que uma cena, chegando o CD da cantora a ser oferecido à personagem de Gere.