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Letters and words

Letters and words

Circuito Edward Norton - American History X

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Caro Leitor,

Revi este filme há pouco tempo para ajudar um aluno a preparar um trabalho sobre o filme.

Da primeira vez que o vi gostei mesmo muito e achei que a interpretação de Norton fora brilhante, merecedora de distinções. Quando o revi, a minha opinião mudou ligeiramente. Não porque tivesse ficado desiludida (às vezes acontece quando revisitamos um filme), mas porque encontrei no filme particularidades que o tornaram ainda mais belo e potente, que o tornaram numa visão cinematográfica inteligente, numa lufada de ar fresco.

O filme é tão rico que provavelmente não vou conseguir elencar todas as suas nuances... Tentarei, no entanto.

.....

A realidade não se divide a preto e branco. Há tonalidades de cinzento que só um olhar atento, curioso, tolerante, corajoso consegue captar. A realidade não se divide a preto e branco e uma não é melhor do que outra. Nenhuma cor é melhor do que outra.

A PRETO E BRANCO (passado negro de Derek, o desvio pelo qual enveredou, a intolerância)
Derek é um membro de um grupo nazi. Derek enverga com orgulho o corte skinhead e as tatuagens alusivas ao idealismo que defende cegamente. Derek matou dois pretos. Derek foi condenado à prisão. Derek é o mau da fita. Mas será mesmo o mau da fita? - primeira ideia errónea.

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A CORES (o presente otimista de Derek, a tolerância, a reforma)
Derek era um miúdo inteligente e normal, que se desvia de um futuro promissor após a tragédia que se abate sobre a família: o pai é assassinado por criminosos enquanto combatia um fogo. Derek, sem figura paternal e com raiva crescente contra os criminosos - parasitas sociais que ele relaciona aos imigrantes e às minorias raciais -  torna-se presa fácil para Cameron, um líder que recruta jovens com as suas mentiras para promover o poder da raça brancal. Podemos assim concluir, em jeito de psicologia barata que a  morte do pai o torna racista. - segunda ideia errónea.

 No entanto, Derek muda de ideias e abandona o seu passado negro. Surge a cores no presente, lavado de todo o ódio, de toda a negatividade, reformado.

O ambiente muda-nos. E se o próprio ambiente muda, como Daniel explica no início do filme, como podemos nós não nos deixar arrastar por esta mudança?

O filme é sobre o ódio, o ódio pelo ódio, o ódio sem razão, o ódio que nos arrasta como um peso morto, incapaz de nos elevar. "Hate is baggage", diz o narrador. O filme é sobre o ódio entre duas cores: branco e preto, ou branco e tudo o resto. O filme é sobre um neo-nazi que apesar de atingir o fundo do poço tem a capacidade para se reformar.

O filme é sobre o "preto" e o "branco". A personagem de Derek é "preta" e "branca". Preta, carregada de ódio, um estandarte/expressão para o ódio. Branca, um estandarte para a compreensão, para a convivência.
Ao longo do filme esta dicotomia nunca nos abandona. O espetador é forçado a deparar-se com ela constantemente pelo uso de cores e da luz e  pela ausência das mesmas que marcam a excelência deste filme.

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Os preconceitos que acompanham o filme são submetidos à prova, revelando-se meras ideias preconcebidas, mas também, em algumas situações, espelhos da realidade.
O filme é também sobre a possibilidade de reforma, da segunda oportunidade que não deve ser negada a ninguém. Derek começa a mudar quando se apercebe que nem tudo é o que parece, que  o seu grupo defende os ideais mas não os cumpre. Dos pretos, Derek recebe bons conselhos. Deles, na figura do companheiro de tarefas, recebe o benefício da dúvida, o otimismo, a segunda oportunidade. O ódio e a vingança ou violência que ele esperava dos outros, não veio. Veio de quem ele não esperaria: dos seus.


O filme leva-nos a reformar a nossa ideia preconcebida do que se está a passar pelo menos umas três vezes:
1. Derek é o mau da fita.
2. Derek tornou-se um skinhead por causa da tragédia do pai.
3. Derek vai sofrer diretamente as consequências por ter abandonado o grupo de extremistas. Isto não vai acabar bem para ele.


O filme é muito rico, demais para abordar numa curta carta.
Saliento no entanto, e uma vez que a carta pertence a um circuito específico, o brilhante desempenho de Norton, talvez a sua mais brilhante atuação, que lhe proporcionou uma nomeação para melhor ator principal, e só não ganhou porque Roberto Benigni foi uma lufada de ar fresco no ano de 1999. Muitos devem ter pensado como Benigni no momento de aceitação do Óscar "This is a terrible mistake". Apesar de adorar a Vida é Bela e a atuação de Benigni, considero que a de Norton, neste filme, ultrapassa a de Benigni.

Norton consegue ser muito poderoso na entrega das suas falas (quer a nível do corpo, quer a nível da intensidade que deixa transbordar nas falas). Norton, mais uma vez, consegue surpreender-nos. O franzino ator consegue encarnar a personagem neo-nazi na perfeição (nunca questionamos a escolha do ator para o papel de neo-nazi - a sua interpretação valida a escolha dos estúdios) e não deixa de ser credível como uma pessoa boa, que pretende cuidar da família. Norton, mais uma vez, se torna uma cameleão, sem que o espetador se aperceba da camuflagem.

Tal como no final do filme em que Danny segue o conselho de Derek e termina o trabalho com uma citação, pois se alguém já o disse e não há como suplantar o autor na ideia, roubemo-la então, também eu finalizo a carta com uma citação, a de Danny, que encerra nela a citação de Abraham Lincoln.

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