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Letters and words

Letters and words

The Lobster

Caro Leitor,

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O filme The Lobster, recomendado por uma amiga, começa muito bem. Com um pequeno apontamento jocoso à sexualidade e à discriminação que algumas tendências sofrem na nossa sociedade, nomeadamente a bissexualidade, muitas vezes tida em conta como indecisão, embrenhamo-nos na ideia de discriminação e da conformidade.
Vive-se num realidade paralela onde a norma é viver em casal (bem, talvez a realidade não seja assim tão paralela). Quando o casal deixa de existir, separação ou morte, o membro sobrevivente deve imediatamente formar um novo casal. Para "facilitar" a transição existe um hotel cujo que promove o convívio entre os desgraçados que se encontram solitários. Três regrais simples devem ser rigorosamente seguidas: a escolha do parceiro deve ter por base um traço comum entre os dois; os solitários têm 45 dias para encontrar a sua alma gémea e caso falhem nesta missão serão transformados num animal à sua escolha; os solitários poderão ganhar mais dias de estadia no hotel, e assim aumentar as suas chances de encontrar um parceiro, se conseguirem caçar outros solitários que vivem na floresta. Cada solitário caço equivale a mais um dia de estadia.
A discriminação e a conformidade percorrem o filme desde o início. Inicialmente distanciamo-nos dessa discriminação, que surge jocosamente no início do filme. Por exemplo, A bissexualidade já não é uma opção no momento de fazer o check-in no hotel devido a problemas operacionais e por isso os solitários devem escolher entre a heterossexualidade ou a homossexualidade. Os tamanhos de sapatos não têm meias medidas, ou se é um 44 ou 45, não há 44 e meio. Até mesmo no lazer há discriminação: os solitários estão excluídos dos desportos a pares, reservados para os casais, devendo-se contentar com desportos singulares como o golfe. Mas a par da discriminação mais vulgar, que quase todos rejeitamos, surge uma discriminação com a qual quase todos compactuamos. Deriva de todas as pequeninas regras que nos moldam e moldam as nossas relações e que nem sequer nos damos conta. E é uma das razões que atestam a inteligência do filme.
Referi há pouco que a discriminação e a conformidade percorrem o filme. Mas o amor também. Ou pelo menos o percurso até ele, por vezes sinuoso e traiçoeiro, por vezes pontuado por caminhos errados, obstáculos e dor. As desculpas esfarrapadas que se dão nas recusas de convites, os piropos que bolsamos fora, as semelhanças que procurámos nos nossos possíveis parceiros e que, por vezes fingimos ter para os conseguirmos "apanhar", os cenários que imaginamos na nossa mente, as indiretas que se atiram durante o processo do "flirt" e a rapidez e a verdade crua que a escassez do tempo, que nos foge por entre os dedos, dita. Por último aborda as coisas que fazemos por amor.
O filme é tão bom que chega mesmo a mostrar os perigos de uma vida solitária e a dor, física mesmo, de se estar sozinho, de uma forma irónica, mas so true.
Colin Farrel, a personagem principal, que escolhe ser uma lagosta, daí o título (brilhante também por sinal uma vez que as lagostas permanecem com o mesmo parceiro até morrerem), caso não consiga encontrar parceiro, conforma-se com a ideia de encontrar um parceiro e faz de tudo para se conformar aos outros na tentativa de se salvar. O medo de acabar sozinho, e em última estância de acabar transformado num animal, como o seu irmão, leva-o a juntar-se a alguém que não é compatível consigo, fingindo. As coisas não correm nada bem (como poderia acabar se não eram compatíveis e se a relação iniciou com uma mentira?) e depois de escapar do hotel desemboca no refúgio dos solteiros, onde poderá viver para sempre como solitário, mas onde são proibidas as relações sexuais com outros solitários para que assim nunca se formem casais. A personagem de Colin troca um tipo de discriminação por outro, e aqui se comprova que a discriminação está sempre presente.

Termino com uma frase do filme que o resume, mas também que me toca particularmente, literal e metaforicamente falando.
What's there to think about? If it's better to see clearly or to be short-sighted?


P.S. Um aparte final: este filme estava já a fazer muito sentido para mim, mas o minuto 00.58.20 é lindo (não há coincidências no amor, apenas sinais) o que me leva a pensar, em tom jocoso, "How the hell am I to spot a shortsighted male if they all wear contact lenses these days?".